Publicação: 25/02/2011 07:00
Atualização: 25/02/2011 17:16
O reinado do
silício está ameaçado. O elemento químico que se tornou a alma dos
eletrônicos modernos — há até um vale em homenagem a ele — ganha, aos
poucos, um concorrente à altura. Pesquisadores e empresas começam a
investir em chips feitos com elementos orgânicos, semicondutores que
usam a química do carbono para gerar corrente elétrica dentro das
máquinas. Para se ter uma ideia do potencial desse negócio, a
consultoria especializada IDTechEX estima que a indústria de chips
orgânicos vai movimentar US$ 96 bilhões anuais em 2020. Há seis anos, o
setor foi responsável por tímidos US$ 650 milhões.
Os novos
semicondutores foram descobertos na década de 1980, mas ganharam
destaque em 2000, quando os cientistas conseguiram provar que os
polímeros, os plásticos, podem conduzir eletricidade. Alan Heeger, Alan
MacDiarmid e Hideki Shirakawa (os dois primeiros dos Estados Unidos e o
último do Japão) ganharam o Nobel de Química pelo feito. Eles
mostraram que, alterando moléculas dos polímeros, era possível mover
elétrons, fazendo o material ter condutividade (veja quadro). Além
disso, os plásticos também mostraram outras habilidades interessantes,
como a possibilidade de mudar de cor a partir de estímulos do ambiente.
“A
química orgânica, que é a química do carbono, é muito rica. Você
altera ligeiramente as combinações entre os elementos e já produz um
composto diferente”, explica Fernando Rizzo, diretor do Centro de
Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). “Isso dá uma possibilidade de
manipulação fantástica, que os materiais inorgânicos (entre eles, o
silício), não têm”, completa Rizzo, que é doutor em ciência dos
materiais. Diante das alternativas, multinacionais começaram a investir
nos chips orgânicos. A Samsung, por exemplo, lançou no ano passado a
primeira linha de tablets com display OLED — diodo emissor de luz
orgânico, na tradução do inglês.
Isso significa que, em vez de
ter pequenos pontos puntiformes emissores de luz, tal qual ocorre nas
telas LED e nos modernos sinais de trânsito, há uma placa formada por
semicondutores orgânicos fazendo a iluminação. Todos os aparelhos com
display podem adotar essa tecnologia no futuro, com uma vantagem
incrível: a flexibilidade. A ideia é que esses semicondutores sejam
impressos em um rolo de papel, como em uma máquina offset. Com esse
substrato flexível, seria possível dobrar a tela, algo muito difícil
com os atuais recursos.
“Os semicondutores orgânicos vão
revolucionar os portáteis. As telas de smartphones e tablets ainda são
rígidas e precisam de uma ‘borda’ do aparelho, o que faz o equipamento
ficar maior do que ele deveria ser na verdade”, ressalta o professor
Demétrio Filho, do Centro Internacional de Física da Matéria Condensada
da Universidade de Brasília. Demétrio é autor de um estudo para o CGEE
sobre as aplicações dos chips orgânicos. Além da flexibilidade, esses
elementos também são muito mais eficientes quando se trata de
iluminação.
Uma lâmpada de LED, por exemplo, tem 25% de
eficiência energética, ou seja, de cada 100 elétrons emitidos por um
LED, apenas 25 geram eletricidade, por conta de uma limitação física do
dispositivo. Uma calculadora, que funciona sob o sistema fotovoltaico,
tem eficiência de 16%. No caso dos semicondutores orgânicos, a
eficiência é de quase 100%. Outra vantagem é a transformação dos pontos
de luz em lâminas finas, o que mudaria o paradigma da iluminação. A
Philips coordena o primeiro projeto do tipo, o Lumiblade, que prevê
luminárias de luz difusa, potente, bastante semelhantes à luz natural e
com inúmeros designs possíveis, uma vez que a lâmina pode ser cortada
em qualquer formato.
Embora já existam companhias de olho no
potencial da química do carbono, ainda é tempo de entrar nesse mercado.
“O Brasil perdeu o bonde da eletrônica do silício. Até há uma fábrica
de chips no Rio Grande do Sul, mas os investimentos são muito altos e
esse tipo de empreendimento já está loteado no mundo inteiro, com
grande participação dos Tigres Asiáticos”, observa Fernando Rizzo. O
especialista aposta que os semicondutores orgânicos serão muito
demandados por conta dos displays. “A informação visual tem cada vez
mais importância”, diz. O CGEE está produzindo atualmente um estudo
sobre a cadeia produtiva dos chips orgânicos. A ideia é que os dados
deem base ao governo para a implantação de empresas e parcerias no
setor.
Resistente
As vantagens dos
semicondutores orgânicos, contudo, não devem acabar com o Vale do
Silício. “As grandes indústrias que já estão estabelecidas sempre fazem
pesquisas para incrementar seus produtos e garantir sua sobrevivência”,
afirma Rizzo. Outra estratégia é focar a atuação em um nicho em que o
silício seja praticamente imbatível e os compostos orgânicos,
deficientes. Uma das principais dificuldades, esclarecem os
especialistas, diz respeito à durabilidade dos novos chips. Não há
nenhum estudo determinante acerca do tempo exato de vida dos
dispositivos, mas já se sabe que eles são mais sensíveis à umidade.
Nesse
caso, a fragilidade estaria relacionada ao tempo de uso do aparelho.
“Se a ideia é fabricar um eletrônico para durar 15, 20 anos, os
orgânicos talvez não sejam a melhor alternativa”, pondera o presidente
do CGEE. Em compensação, há vários equipamentos com prazo de validade
cada vez menor. Estudos mostram, por exemplo, que as pessoas trocam de
celular a cada 18 meses. Os computadores e laptops também costumam ter
tecnologia ultrapassada meses depois da fabricação. Nesses casos, não
haveria qualquer vantagem em criar um aparelho com grande durabilidade.
Além
disso, há fragilidades dos chips orgânicos que ainda estão sendo
resolvidas. “As moléculas orgânicas se degradam na presença de raios
ultravioleta, o que é bastante óbvio. Nós também somos formados por
carbono e passamos protetor solar para não nos degradarmos”, brinca o
professor da UnB Demétrio Filho. Para eliminar o problema, pesquisadores
estudam formas de encapsulamento dos semicondutores orgânicos, com
material cada vez mais fino, que proteja e que permita a absorção de
luz.
Terra fértil
Nos anos 1990, o condado
de Santa Clara, na Califórnia (EUA), virou palco de uma explosão de
empresas de tecnologia. Lá nasceram gigantes como o Google, a Apple e o
Facebook. A região, então, ganhou o nome de Vale do Silício, em
referência ao principal elemento usado na fabricação de chips. O Brasil
não tem nenhuma cidade com tantas empresas da área. Alguns
especialistas, contudo, se referem a Campinas, em São Paulo, como o Vale
do Silício brasileiro, porque lá estão concentradas boa parte das
empresas de tecnologia.
Direto do ensino médio
A
química orgânica, ou química do carbono, é aquela que estuda os
elementos que têm carbono em sua composição. Inicialmente, os cientistas
acharam que essa era uma condição exclusiva dos seres vivos, mas a
tese foi derrubada no século 19. Naquela época, os pesquisadores
conseguiram sintetizar uma molécula de benzeno, que vem do petróleo e,
obviamente, não é um ser vivo.